E depois?
Depois da pandemia, depois da Covid-19, quem seremos nós? Como serão os negócios, os governos, as cidades?
Nesse momento em que pouco sabemos sobre quem somos e temos ideias vagas - a não ser o marketing que parece saber tudo – acerca do propósito das empresas , do compromisso real dos governos e dos governantes, além da óbvia busca pelo poder - queremos enxergar a margem dessa travessia.
Quem seremos nós na outra margem?
Navegar juntos nessa tragédia nos torna outra pessoa diferente daquela que somos? E os negócios, transformam a sua natureza ao experimentar a perplexidade diante da situação que não compreende? Os Estados redescobrirão a eficiência do autoritarismo ou serão contagiados pela dor e solidariedade quando definirem suas prioridades? Que caminho cada qual vai escolher quando o barco atracar?
As perguntas que nos fazemos a cada instante, como que buscando encontrar a resposta para a nossa própria vida , não parecem disponíveis se olhamos apenas para amanhã, quando o vírus for destituído do seu destino e estiver ele sim, confinado por vacinas ou tratamentos.
Seremos amanhã quem somos hoje. Empresas, governos, líderes serão amanhã quem são hoje. A parada obrigatória não congela nossos desejos, vocações, necessidades e propósitos. Oferece ela a oportunidade de escutar com mais clareza os anseios e desejos que muitas vezes escondemos de nós mesmos. Ambição, vaidade, ganância ficam disfarçadas no discurso conveniente do bom mocismo e do respeito e nas leis que nos igualam; falas desconectadas da prática.
Se contabilizarmos nossos pensamentos e ações – como indivíduos ou como organizações nesse auto exílio sanitário e numa conta simples de somar e dividir teremos o resultado de quem seremos amanhã , quem somos hoje.
O tamanho do nosso medo nos mantendo acuados e acuando aqueles que podem menos e que dependem das nossas decisões para seguirem vivos: o que motiva as nossas escolhas hoje? A motivação é o mestre que estará à espera na outra margem da pandemia. E será o guia para apontar o caminho quando estivermos livres para andar sem o limite imposto pelo vírus.
Não sei se será construído um mundo melhor na outra margem da pandemia. Não sei se seremos melhores depois de olharmos a nossa morte possível e de nos sensibilizarmos pelas mortes sem despedidas. Não sei se haverá um mundo melhor porque ficamos diante de pessoas que anonimamente se expuseram em hospitais, na chamada linha de frente da guerra contra o inimigo invisível e irresoluto.
O que eu sei é que vimos tudo isso. E também vimos o desdém, o descaso pelas mortes - que se tornaram óbitos estatísticos. Também vimos os velhos serem idosos em grupos de risco - pelo risco da vida deles mesmos e por terem vivido o que pode não ter sido merecido, segundo a lógica de que a juventude é o presente desejado e futuro garantido.
Vimos muito. Você e eu. Vimos do bom, e ficamos – alguns de nós – paralisados pelos maus tratos de um sistema ( quem é o sistema se não nós mesmos?) injusto, cruel, que discrimina os que tem menos, transformando-os em mendigos e indigentes de dignidade.
E especulamos: vamos aprender a nos relacionar de maneira nova, diferente? E o que está no centro desse aprendizado? O domínio de técnicas, dos nossos brinquedos que nos fazem virtuais, ou será que desenvolveremos melhor entendimento do significado do outro e de nós mesmos?
Virá mais aceleradamente a substituição de mão de obra “dispensável” por robôs programados que nos torne menos dependente de pessoas ? Que o espaço de trabalho dos escritórios ficará vazio porque descobrimos que conviver é menos necessário?
Quem estará confinado na pobreza? Quem terá acesso à saúde? Os sistemas públicos serão confirmados como porta vozes dos direitos coletivos ou as empresas de saúde serão os grandes e poderosos mercadores da vida e morte?
E depois?
Depois é hoje, é agora. E a resposta está no silencio e na fala e na ação de cada um.
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